Muito, muito tempo antes de Dilma Rousseff ser candidata ou eleita uso "presidenta" para referir-me às mulheres que ocupam este cargo em qualquer entidade que tenha o gênero masculino, presidente, como denominação.
Antes de Dilma eu era chacotado pelos ignorantes gramaticais. Com Dilma, me tornei alvo de reações muito, muito piores, por parte dos seus opositores. Até de "petista" e "petralha" sou chamado.
Dilma está impedida de governar, por enquanto. E o presidente interino, acusado de liderar um novo estilo de golpe, decidiu promover outro golpe, gramatical.
“Por orientação da gerência executiva, informamos que a TV Brasil passa a
adotar a forma presidente, independente do gênero. Deixamos, portanto,
de usar presidenta”, informa email enviado aos jornalistas. Esta foi a orientação dada em nota pela EBC (Empresa Brasileira de Comunicação). A mudança teve início na semana passada, quando os funcionários
receberam orientação para mudar a forma de tratamento do cargo no
feminino, tanto na TV Brasil quanto na Agência Brasil e na Radiobrás.
Vou ilustrar este texto com uma reação de poucos anos atrás assinada pelo especialista Marcos Bagno:
A decisão do governo interino Temer fere a lei federal 2.749, de 1956, do senador Mozart
Lago (1889-1974), que determina o uso oficial da forma feminina para
designar cargos públicos ocupados por mulheres. Era letra morta. Até o
país escolher sua primeira mulher à Presidência da República. Como gosto de praticar o vernáculo, vou continuar escrevendo "Presidenta".
Sei que agora serei ainda mais hostilizado. Mas, não posso deixar que uma decisão política, casuística, se imponha sobre minhas convicções literárias, gramaticais.
O linguista da USP Marcelo Módolo pondera
que, embora pareça recente, "presidenta" é termo antigo, anterior a Lei do Lago. Ao menos desde o
dicionário de Cândido de Figueiredo (1899):
"Presidenta, f. (neol.) mulher que preside; mulher de um presidente. (Fem. de presidente.)"
- "Presidenta" já está consignado no Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa (Volp), no Houaiss.
Até José Sarney, que também teve revelada sua participação neste golpe político, esclarecia que "as palavras vivem e morrem. A língua está em constante transformação.
Não é estática. A todo momento recebe as influências do cotidiano,
surgindo novos vocábulos, neologismos que em geral vão buscar suas
formas no modo de viver, nos costumes, no comunicar do povo".
Presidente ou presidenta?, pergunta Sarney. "Ambas as formas são corretas. Há uma regra
antiga de que as palavras com os sufixos ente, ante e inte são comuns de
dois gêneros e, assim, comportam o masculino e o feminino".
Talvez Sarney tenha mudado de opinião. Já que está no grupo do golpe político tem tudo para fazer parte do grupo do golpe gramatical, também.
Por que vou continuar usando "presidenta"? Simples, porque vivo numa sociedade machista, mas tão machista que todos os dias, e a cada 11 minutos, estupra uma mulher. É esse machismo, com suas variantes, que quer continuar se impondo num mundo que precisa urgente de mudanças, de evolução. E a língua também evolui, pois é viva. Se não quisermos mudanças linguísticas devemos voltar ao latim, uma língua morta. E olha que eu sou considerando um conservador linguístico!